Adelante! Adriana de los Santos, a gaiteira que representa a alma feminina na música gaúcha
segunda-feira, novembro 17, 2025
Todo mundo já ouviu a seguinte frase “lugar de mulher é onde ela quiser”, inclusive na música gaúcha. Há algum tempo, aqui no blog Repórter Riograndense entrevistei três laçadoras de Vacaria, para celebrar o Dia Internacional da Mulher.
Para marcar a retomada do blog, no quadro de entrevistas
“Chasque ao Repórter”, a convidada é mais do que especial, simplesmente a
acordeonista Adriana de los Santos. Recentemente, Adriana ganhou destaque ao
publicar um post em suas redes sociais onde ela fez um desabafo sobre o espaço
das mulheres dentro da música gaúcha.
![]() |
| Adriana de los Santos |
Além do texto, o que mais chamou a atenção foram as fotos que
ela usou para ilustrar o post, um ensaio sensual em ela usa sua gaita botoneira para
cobrir a parte superior do seu corpo.
Isso gerou muitas repercussões e debates nas redes sociais,
com muitas pessoas demonstraram apoio a causa de Adriana, porém, outras pessoas já falaram que ela
estava “lacrando” por causa do post.
Essa história me chamou a atenção e como já acompanho a
carreira da Adriana de los Santos há algum tempo, decidi entrar em contato ela
para consultar a possiblidade de uma entrevista. Ela aceitou convite.
Para quem ainda não
conhece Adriana de los Santos, são mais de 30 anos de carreira, fez parte dos
grupos Só Gurias (primeira banda de música gaúcha forma só por mulheres) As
Bahgualadas, Gurias Gaúchas. Atualmente estava com sua banda própria, a Dê-lhe
Fole. Ela também tem uma carreira como instrumentista com apresentações em todo
o Brasil e no exterior, inclusive já turnê na Europa marcada para 2026.
No Chasque ao Repórter, Adriana falou sobre sua carreira
tanto como instrumentista como suas passagens pelas bandas, além claro do post
que gerou essa repercussão sobre o espaço da mulher na música e sobre os
projetos.
Te aprochega e confira mais um Chasque ao Repórter
Repórter Riograndense: Como foi o início da sua trajetória na
música e por que a escolha pela música gaúcha?
Adriana de los Santos: Meu início na música foi através do
incentivo do meu pai, que sempre gostou de música — especialmente de viola
caipira — e me apoiou comprando meus primeiros instrumentos.
Embora eu não venha de uma família tradicionalmente gaúcha,
escolhi a música gaúcha porque desde criança sempre me encantei com a vaneira,
um ritmo alegre e contagiante.
Minhas inspirações são Renato Borghetti, Gilberto Monteiro e
Berenice Azambuja.
Repórter: Como surgiu a ideia de formar uma banda gaúcha, o
Só Gurias formada apenas por mulheres?
Adriana: Fazer parte do Grupo Só Gurias foi uma experiência
incrível. Com o grupo, percorremos praticamente todo o Rio Grande do Sul e
também nos apresentamos em Santa Catarina, Paraná, Brasília e Roraima, além de
realizarmos algumas turnês na Argentina.
Chegamos a fazer uma média de 18 shows por mês! Foi uma
verdadeira escola do baile, onde aprendi muito e vivenciei momentos marcantes.
Além disso, quebramos muitos tabus e enfrentamos
preconceitos, sendo reconhecidas como a primeira banda formada apenas por
mulheres a tocar música de baile tradicional, de Bota e Bombacha.
Em 2005, ainda era raro ver mulheres usando bombacha; o
movimento feminino nesse espaço estava apenas começando.
Repórter: O Só Gurias não foi a única banda formada por
mulheres que você já participou, como outras experiências?
Adriana: Nos conhecemos através de um produtor, e nosso primeiro show aconteceu no dia 18 de maio, na Casa do Gaúcho, em Porto Alegre, ao lado de várias bandas consagradas. Na época, o grupo ainda se chamava As Gurias.
No final de 2005, tivemos alguns desentendimentos com o produtor e decidimos seguir com nossos próprios projetos. Todas nós deixamos o grupo As Gurias e fundamos o Grupo Só Gurias.
Algum tempo depois, começamos a enfrentar problemas com o uso da marca e fomos pressionadas a trocar o nome para evitar um possível processo. Foi então que passamos a nos chamar As Bahgualadas.
Apesar das mudanças de nome, as integrantes sempre foram as
mesmas — apenas o número de componentes diminuiu com o tempo: começamos com
sete integrantes na fase de As Gurias e, posteriormente, o grupo se consolidou
com cinco integrantes até encerrar suas atividades em dezembro de 2012.
Repórter: Quando você formou a banda Gurias Gaúchas, nesse
projeto além baixista Ariane Motta e uma a duas vocalistas, você tinha a
companhia de músicos homens, foi essa integração?
Adriana: Em janeiro de 2013, eu e a baixista e cantora Ariane
Motta fundamos o grupo Gurias Gaúchas. (Eu atuo apenas como gaiteira, não
canto.)
A ideia era criar um projeto diferente, com uma banda de
apoio masculina e duas cantoras, trazendo uma nova proposta sem repetir o
formato do Só Gurias, que foi um ciclo único e histórico.
Trabalhar com músicos homens sempre foi algo muito tranquilo
— tanto nos palcos quanto nas estradas — pois vivíamos um novo ciclo, marcado
por aprendizado e trocas de experiências.
Tivemos a alegria de contar com músicos muito especiais, como
Marco Machado (Barbosa), Marlon Carvalho e Marcelinho Guita, entre outros
grandes profissionais. Esses três, em especial, permaneceram por mais tempo no
projeto.
Gravamos um CD promocional com clássicos gaúchos, apenas para
divulgação, produzido por Márcio Rosado, e logo voltamos a ganhar destaque nas
festas e eventos do Rio Grande do Sul e também de outros estados.
Repórter: Mesmo com os projetos das bandas, você manteve em
paralelo vários projetos solos, com apresentações por todo o Brasil e no
exterior. Como você concilia a sua agenda de shows tanto com as bandas de baile
como os projetos solos?
Adriana: Na época do Só Gurias, por conta da agenda intensa
de shows, eu não conseguia conciliar o trabalho com meu projeto solo. Acabei
ficando praticamente dez anos sem realizar apresentações instrumentais,
participando apenas de alguns programas de TV.
Quando fundamos o Gurias Gaúchas, em 2013, o sertanejo
universitário estava em alta. Como nosso foco era em feiras, rodeios e festas
municipais, e o repertório estava voltado para o regional, nossa agenda era
mais tranquila. Isso me permitiu retomar o projeto instrumental e conciliar os
dois trabalhos.
Em 2014, participei da Fiesta Nacional del Chamamé e realizei
uma turnê pela Europa, com mais de 35 shows, além de receber o Prêmio Victor
Matheus Teixeira, um reconhecimento muito marcante na minha trajetória.
Repórter: No seu perfil no Instagram você publicou um texto
falando sobre a falta de espaço nas mulheres na música gaúcha usando fotos de
um ensaio sensual. O que levou você a usar as redes sociais para expor essa
situação? Foi algo específico ou já fazia tempo que tinha alguma coisa incomodando-a?
Adriana: Falando sobre a matéria que saiu no G1 e minha
reflexão sobre equidade, venho há alguns anos observando que o número de
mulheres atuando nos palcos do Rio Grande do Sul está diminuindo cada vez mais.
Não me refiro aos festivais, mas ao cenário geral da música
regional.
![]() |
| As fotos do ensaio de Adriana de los Santos |
Percebo que muitos contratantes já não veem mais as mulheres
como um atrativo nesse meio. Em 2005, quando iniciamos o trabalho com o Só
Gurias, éramos um verdadeiro diferencial — lotávamos casas de shows e tínhamos
uma agenda sempre cheia. Hoje, no entanto, está cada vez mais difícil chegar
até produtoras, secretarias de cultura e promotores de eventos. Muitos sequer
respondem, o que considero uma grande deselegância.
Infelizmente, lembram das mulheres apenas em março ou outubro. No restante do ano, basta olhar os banners das festas: 99,9% dos artistas são homens.
Clique aqui para conferir o post original no Instagram
Minha reflexão não é sobre feminismo, e sim sobre equidade.
Para chamar atenção para essa falta de visibilidade, usei fotos antigas de
campanhas do câncer de mama — o que gerou uma grande repercussão. Acredito que
foi algo positivo, pois toda reflexão começa com algum desconforto.
Vi comentários do tipo: “por que não grava uma música?”, “por
que não grava um vídeo?”. Mas poucas dessas pessoas realmente pesquisaram sobre
minha trajetória.
Por isso, considero essa reflexão válida e necessária: ela mostra
que, além de estarmos cada vez menos nos palcos, também não estamos em
evidência nas mídias.
Repórter: Sobre o ensaio sensual, ele é recente? Conte-nos
sobre como surgiu a ideia?
Adriana: Nos ensaios fotográficos do Gurias Gaúchas, nossa escolha por
fotos sem a parte de cima teve um propósito claro: chamar a atenção das
mulheres para o Outubro Rosa e incentivar o autocuidado.
Essas imagens são antigas — acredito que de 2016 e 2021 —,
mas foi o texto da reflexão sobre equidade que fez com que elas ganhassem tanta
repercussão. A publicação acabou chamando a atenção do repórter Giovani
Grizotti, que compartilhou em sua página e no site do G1. A partir daí, o
assunto ganhou destaque em diversos veículos de comunicação.
Repórter: Você recebeu apoio e críticas de todos lados, qual
é a lição que você tirou após o post?
Adriana: Após o post, tive a certeza de que essa luta pela equidade
está apenas começando.
Ao ler alguns comentários — especialmente os mal interpretados ou vindos de mulheres julgando outras mulheres —, percebi o quanto ainda estamos distantes de ver homens e mulheres trabalhando lado a lado com o mesmo respeito e amor pela arte, o que seria algo lindo de se viver.
A cultura gaúcha carrega profundamente a figura do homem,
enraizada em todos os cantos, desde os heróis farroupilhas. Em toda a história,
tivemos apenas Anita Garibaldi — uma catarinense — que lutou bravamente e
rompeu barreiras.
As mulheres ainda têm muito receio de se expor, de se
posicionar, com medo de portas se fecharem. Por isso, acredito que toda fonte
de informação e apoio é essencial.
Repito mais uma vez: tenho profundo respeito pelos colegas
músicos, e essa luta não é contra eles — pelo contrário, sou fã de muitos.
Essa luta é por visibilidade, para chamar a atenção dos
produtores e da mídia, e para que a equidade finalmente ocupe o espaço que
merece dentro da nossa cultura.
Repórter: Atualmente temos mulheres que estão destaque na
música gaúcha como Luiza Barbosa, Shana Müller, além das lendárias Mere
Terezinha e Berenice Azambuja, seria possível haver uma união entre vocês para
ajudar na divulgação de seus trabalhos e também incentivar o surgimento de
novas artistas tanto cantoras como instrumentistas?
Adriana: A Shana Müller tem um projeto muito bacana chamado Peitaço,
que é um encontro anual voltado para fortalecer a união entre as mulheres,
incentivar a composição e promover a troca de ideias.
A Shana é uma artista atuante, presente em espetáculos
lindos, principalmente em teatros, onde mostra a força da mulher gaúcha com
muita elegância e sensibilidade.
Também temos mulheres importantíssimas para a nossa cultura, como Analise Severo, Marines Siqueira, Maria Luiza Benitez, Fátima Gimenez, entre tantas outras que sobem aos palcos esbanjando talento e encorajando novas artistas.
Esse movimento de apoio entre mulheres já existe, mas
acredito que ainda falta o olhar da mídia para dar mais visibilidade a esses
espetáculos e, assim, despertar o interesse de quem contrata.
Repórter: Conte-nos sobre o sobre a sua nova turnê pela
Europa em 2026 e também sobre o projeto Adriana de Los Santos & Grupo
Dê-lhe Fole? O que o público pode esperar desses novos projetos como músicas
novas, agenda de shows e como podemos acompanhar toda a sua trajetória?
Adriana: Para 2026, fui convidada a retornar à Alemanha para
participar do Festival Akkordeonale, em uma turnê pela Europa.
Estou imensamente feliz por poder levar nossa cultura de bota
e bombacha para o mundo, representando o Brasil e o Rio Grande do Sul.
Ao mesmo tempo, sinto o peso da responsabilidade, tanto
psicológica quanto profissional, por ser uma das quatro acordeonistas
convidadas de todo o mundo.
É uma honra e um desafio que abraço com gratidão e coragem.





0 comments