Testamento

quarta-feira, abril 26, 2017

Senta aqui china, ao meu lado
Assim bem pertinho
E conversemos juntinhos do muito
Que vivemos querida,
Sempre, sempre nesta vida, lutando sempre
Sozinhos.

Atiça um pouco essas brasas,
Que há um tição umaceando,
Sinto os olhos lagrimejando
E a voz se me embaraça,
Mas a causa é a fumaça
De algum pau verde chorando.



Encilha o mate querida,
Vamos tomando um amargo
Enquanto te dou o encargo
De uma ultima vontade
Sei que em nada porás embargo,
Confio na tua amizade.

Não chores prenda,
Tem calma que é preciso ter paciência,
Porque tudo que tem existência,
Um dia também terá fim
E porque razão só de mim
Se esquivará a providencia?

Presta bem tua atenção,
Em tudo que vou dizer
Sei que muito vais sofrer
Rolando cantos alheio
Mas nunca tenhas receio
De cumprir o teu dever.

Despreza a má companhia,
Mesmo sendo ela um bocó
Nem de todos tenha dó
Que as penas não dão cuidado
Tenha sempre esse ditado
Um boi solto sambe-se só.

Procura ser comedida
Dentro da própria desdita
E se te sentires aflita
Contra qualquer falsidade
Lembra que toda a verdade
Nem sempre deve ser dita.

Vende as pilchas que eu te deixo
Não tenhas nisso cuidado.
O meu apero prateado
Que me custou tanto dinheiro
Até a quaiaca e o isqueiro
Te darão alguns trocado.

O tordilho sobre passo
Até o zaino pinhão
Só não vende o alazão
Que é manso do teu andar,
Vende as garras de domar,
Badana, pesuelo e o facão.

Vende tudo minha prenda,
Sovéu, o lado e o arreador,
Também vende tirador
E os estribos de picharia
Até para as três Marias
Não faltará comprador.

Só não vende aquele lenço,
Que a muito tenho guardado,
É o meu lenço colorado
Que usei com tanto gosto,
Me tapa com ele o rosto pra ser
Comigo enterrado.

E esse poncho de vinha,
Esse velho poncho amigo,
Que durma sempre contigo,
Bem de encontro do coração
Pois assim terás a impressão
Que estas dormindo comigo.


Autor Fermino Desidério

APROCHEGUE E CONFIRA

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